Costa, José Daniel Rodrigues da JOGO DOS DOTES PARA RECREIO DAS SOCIEDADES, em que se tirão lindas Sortes em verso; e outro Jogo de 40 perguntas, e 40 respostas, que se deve separar deste Livro, para se usar delle cortado, e pregado com massa nas costas das Cartas de Jogar, ou em cartão, &c., na Of. De Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa, M. DCCC [1800].
Costa, José Daniel Rodrigues da
JOGO DOS DOTES PARA RECREIO DAS SOCIEDADES, em que se tirão lindas Sortes em verso; e outro Jogo de 40 perguntas, e 40 respostas, que se deve separar deste Livro, para se usar delle cortado, e pregado com massa nas costas das Cartas de Jogar, ou em cartão, &c., na Of. De Simão Thaddeo Ferreira, Lisboa, M. DCCC [1800].
In-8º, de XIV-(2)-278 pp., encadernado por inteiro em couro castanho escurecido original, c/ 1 rótulo grenat e dourados simples na lombada. É a edição primitiva da obra, impressa em papel de boa qualidade. Traz uma gravura inicial e, depois da folha de rosto, a captação de simpatia do leitor (Benigno leitor), seguida da explicação das regras (Marcha do Jogo dos Dotes), 1 capítulo intitulado Sortes Pertencentes a Senhoras, seguido do das Sortes Pertencentes a Homens, ambos em verso (em heptassílabos, ao gosto da época).
Apresenta-se decorado c/ bonita gravura inicial, a talhe-doce, de página inteira desenhada por Jerónimo de Barros Ferreira (‘I. Barros Ferr. Inv.’, na inscrição inf.) e aberta, em Lisboa, por Gregório Francisco de Assiz Queiroz (‘G. F. A Queiroz Sculp.Lxª’), gravador que viveu entre 1768 e 1845, aprendeu c/ Carneiro da Silva e terá sido depois discípulo de Bartolozzi, em Inglaterra, de onde regressaram ambos, por convite p/ abrirem a Impressão Régia. Gregório Queiroz trabalhou no 1º quartel do séc. XIX na cidade de Lisboa, como gravador e professor nas Belas-Artes e deixou muita produção, cuja qualidade foi gradualmente apurando, patente em especial na gravação da chapa metálica, de que nos legou muito bons trabalhos, como é o caso da conhecida gravura da Sopa de Arroios (1813, executada em colaboração c/ o seu amigo Domingos Sequeira). Mas é também de salientar a da Virgem c/ o Menino e S. João Baptista, aberta a talhe-doce, em 1798, de Londres quando ainda era discípulo de Bartolozzi, 2 anos antes da execução desta gravura alegórica que ilustra o livro. (ver Ernesto Soares, História da Gravura Artística em Portugal, Liv. Samcarlos, Lisboa, 1971, a pp. 439-490, que não refere a presente, mas confirma a existência de numerosas gravuras da autoria de G. Queiroz, ilustrando livro editados na época)
Obra extremamente curiosa e invulgar, não só pelo conteúdo, como pela raridade. O seu autor, contemporâneo de Bocage e, como ele versejador de mérito, justifica a criação deste jogo, como passatempo de salão, para entretenimento social e diversão. O livro, tal como vem indicado no título, consta de 2 jogos, sendo necessário remover as pp. indicadas no final da obra p/ se poder jogar o 2º deles. Este exemplar tem patente a sua utilização, mostrando em falta o caderno final, cujas ff se percebem ter sido aparadas p/ destaque.
Relativamente ao 1º, o Jogo dos Dotes, que está completo, foi todo redigido em verso de tamanho variável, acusa uma linguagem coloquial e jocosa, não omitindo erros de pronúncia ou gramática, em aproximação evidente aos registos populares e regionais. “Crítico arguto e irreverente, senhor de uma linguagem solta e judiciosa, José Daniel Rodrigues da Costa reflecte nos seus textos a permanência de processos literários há muito fixados pelos letrados. O riso que a sua escrita provoca repousa sobre a velha tradição da literatura de cordel. Recria a cultura da praça pública passando para o papel temas, exemplos, atitudes e valores que causam perplexidade e favorecem comentários desconcertantes. (…) Favorecendo a paródia com assuntos sérios e instaurando o ridículo através da reinvenção de linguagens sociais, José Daniel Rodrigues da Costa contribui, explicitamente, para subverter discursos de autoridade e para tornar discutíveis assuntos melindrosos.” (in Ana Cristina Araújo, “Vocabulário, imagens e modalidades irónicas de comunicação política em finais de Antigo Regime. O caso de José Daniel Rodrigues da Costa”, IV Congresso Histórico de Guimarães, Do Absolutismo ao Liberalismo, publicado on-line, a pp. 153-4)
José Daniel Rodrigues da Costa constitui, juntamente c/ Bocage, um testemunho histórico da mudança do paradigma literário português, constituindo-se a presente edição exemplo significativo dos factores utilizados p/ a promoção da mudança. A popularidade das suas obras era enorme e esgotava as edições, que corriam, muitas delas em folhetos e impressões de fraca qualidade, mas que agradavam a todos: mais de 30 publicações do A. se assinalam no rol da biblioteca da rainha Carlota Joaquina, de 1831, figurando aí um exemplar da 2ª edição (de 1808) do Jogo dos Dotes. Houve pelo menos mais uma edição da obra, acrescentada no final c/ ditos espirituosos sobre os nomes femininos, em 1818.
Este exemplar apresenta 2 peq. carimbos ovais, c/ as armas de Portugal, 1 na pág. de rosto e outro na que apresenta as Sortes Pertencentes a Senhoras. Atesta ainda a pertença de 2 possuidores coevos, que deixaram observações anotadas a tinta. No caso mais antigo, referentes às regras do jogo. Mão diferente, mais exigente e informada e igualmente coeva, procedeu a correcções do texto das observações redigidas manualmente, bem como a correcções pontuais, gramaticais e prosódicas (que assinalou c/ notas musicais) no corpo dos versos e uma reescrição de um terceto, no final.
Sobre o A., José Daniel Rodrigues da Costa (Leiria, 1757-1832), que usou também o nome literário de Josino Leiriense, ver informação bio-bibliográfica aqui.
Estado de conservação: pele estalada superficialmente na lombada e charneiras; acidez leve do papel; peq. manchas de manuseamento.
Dim.: 15 x 10 cm